O sistema imunitário configurou uma rede complexa de procedimentos que se podem dividir em duas categorias: imunidade inata (natural) e aprendida (adquirida).
Todas as pessoas nascem com
imunidade inata. Os componentes do sistema imunitário que participam na imunidade inata (macrófagos, neutrófilos e sistema do complemento) reagem de forma semelhante perante todas as substâncias estranhas, e o reconhecimento dos antigénios não varia de pessoa para pessoa.
Como o seu nome indica, a
imunidade aprendida é adquirida. Na altura do nascimento, o sistema imunitário de uma pessoa ainda não foi confrontado com o mundo exterior nem começou ainda a desenvolver os seus arquivos de memória. O sistema imunitário aprende a responder a cada novo antigénio com que se confronta. Como consequência, a imunidade aprendida é específica dos antigénios que a pessoa encontra ao longo da sua vida. O traço característico da imunidade específica é a capacidade de aprender, adaptar-se e recordar.
O sistema imunitário faz um registo ou memória de cada antigénio que a pessoa encontre, quer seja através dos pulmões (ao respirar), do intestino (ao comer) ou da pele. Isso é possível porque os linfócitos têm uma vida longa. Quando os linfócitos encontram um antigénio pela segunda vez, a sua resposta face a ele é enérgica, rápida e específica. Essa resposta imune específica explica porque é que não se contrai varicela ou sarampo mais do que uma vez ao longo da vida, assim como o motivo pelo qual as vacinas previnem as doenças. Por exemplo, para evitar a poliomielite, um indivíduo recebe uma vacina feita a partir de uma forma atenuada do poliovírus. Se, posteriormente, esse indivíduo for exposto ao poliovírus, o seu sistema imunitário procura nos seus arquivos de memória, encontra os «dados» desse vírus e activa rapidamente as defesas apropriadas. O resultado é que o poliovírus é eliminado por anticorpos específicos que neutralizam o vírus antes mesmo de ele ter a oportunidade de se multiplicar ou de invadir o sistema nervoso.
A imunidade inata e a imunidade aprendida não são independentes uma da outra. Cada sistema actua em relação com o outro e influi sobre ele, directa ou indirectamente, através da indução de citocinas (mensageiros). Raramente um estímulo desencadeia uma só resposta. O que faz é iniciar várias, algumas das quais podem actuar conjuntamente ou ocasionalmente competir entre si. De qualquer forma as respostas dependem sempre dos três princípios básicos do reconhecimento, da mobilização e do ataque.
Reconhecimento
Antes de o sistema imunitário poder responder face a um antigénio, deve ser capaz de o reconhecer. E, com efeito, pode fazê-lo através de um processo denominado de processamento de antigénios. Os macrófagos são as maiores células processadoras de antigénios, porém existem outras células, incluindo oslinfócitos B, que também o podem fazer.
As células processadoras de antigénios absorvem um antigénio e cortam-no em pequenos fragmentos. Em seguida, estes fragmentos são colocados dentro das moléculas do complexo major de histocompatibilidade e lançados para a superfície da membrana celular. A área do complexo major de histocompatibilidade que contém os fragmentos de antigénio liga-se depois (adere) a uma molécula especial da superfície do linfócito T chamada receptor da célula T. O receptor da célula T está configurado para se encaixar (como uma chave numa fechadura) na parte do complexo major de histocompatibilidade que transporta um fragmento do antigénio.
Os linfócitos T compreendem dois grandes subgrupos que diferem na sua capacidade de se unirem (aderirem) a uma das duas classes de moléculas do complexo major de histocompatibilidade. O subgrupo de linfócitos T com uma molécula CD8 na sua superfície pode ligar-se a moléculas do complexo major de histocompatibilidade da classe I. O subgrupo de linfócitos T com uma molécula CD4 na sua superfície pode ligar-se a moléculas do complexo major de histocompatibilidade da classe II.
Mobilização
Uma vez que uma célula processadora de antigénios e um linfócito T tenham reconhecido um antigénio, uma série de factos inicia a mobilização do sistema imunitário. Quando uma célula processadora de antigénios absorve um antigénio, liberta citocinas (por exemplo, interleucina-1, interleucina-8 ou interleucina-12) que actuam sobre outras células. A interleucina-1 mobiliza outros linfócitos T; a interleucina-12 estimula as células NK (natural killer, assassinas naturais) para que sejam ainda mais potentes e segreguem interferão; a interleucina-8 actua como uma espécie de «faro» que guia os neutrófilos em direcção ao local onde foi encontrado o antigénio. Este processo de atracção e recrutamento de célulasrecebe o nome de quimiotaxia.
Quando os linfócitos T são estimulados através dos seus receptores de células T, produzem várias citocinas que ajudam a recrutar outros linfócitos, o que amplifica a resposta imune. As citocinas também podem activar as defesas imunitárias não específicas (inatas). Actuam consequentemente como uma ponte entre a imunidade inata e a adquirida.
Ataque
Grande parte dos instrumentos do sistema imunitário tem a finalidade de matar ou eliminar os micróbios invasores uma vez que tenham sido reconhecidos. Os macrófagos, os neutrófilos e as células NK são capazes de eliminar muitos invasores.
Se um invasor não puder ser eliminado por completo, podem ser construídas paredes para o aprisionar. Essas paredes são formadas por células especiais e recebem o nome de granulomas. A tuberculose é um exemplo de uma infecção que não é completamente eliminada; as bactérias que causam tuberculose ficam presas dentro de um granuloma. A maioria das pessoas saudáveis quando expostas a estas bactérias rechaça a infecção causada pela tuberculose, porém algumas bactérias sobrevivem indefinidamente, geralmente no pulmão, rodeadas de um granuloma. Se o sistema imunitário enfraquece (inclusivamente 50 ou 60 anos mais tarde), as paredes da prisão desmoronam-se e as bactérias que causam a tuberculose começam a multiplicar-se.
O corpo não combate todos os invasores da mesma forma. Os que permanecem fora das células do corpo (organismos extracelulares) são relativamente fáceis de combater; o sistema imunitário mobiliza defesas para facilitar a sua ingestão pelos macrófagos e outras células. A maneira de o sistema imunitário levar a cabo esse procedimento depende de os invasores serem capsulados (terem uma cápsula espessa à sua volta) ou não. Os invasores que chegam ao interior das células (organismos intracelulares) e permanecem viáveis (vivos) e funcionais são combatidos de maneira completamente diferente.
Como os linfócitos T reconhecem os antigénios
Os linfócitos T fazem parte do sistema imunitário de vigilância. Contribuem para identificar antigénios, que são substâncias estranhas ao corpo. Todavia, para ser reconhecido por um linfócito T, um antigénio deve ser processado e «apresentado» ao linfócito de forma tal que este o possa identificar, como se mostra em seguida.
1. Um antigénio que circula pelo corpo tem uma estrutura que um linfócito T não pode reconhecer.
2. Uma célula processadora de antigénios, como um macrófago, rodeia e ingere o antigénio.
3. Os enzimas da célula processadora de antigénios partem o referido antigénio até o reduzir a fragmentos.
4. Alguns fragmentos de antigénio ligam-se a moléculas do complexo major de histocompatibilidade e são lançados para a superfície da membrana celular.
5. Um receptor de células T, localizado na superfície de um linfócito T, reconhece o fragmento de antigénio ligado a uma molécula do complexo major de histocompatibilidade e adere a ele. | |
Organismos extracelulares capsulados
Algumas bactérias possuem uma cápsula que protege as paredes das suas células e impede que os macrófagos as reconheçam. Um exemplo comum de bactérias capsuladas são os estreptococos, causadores da amigdalite estreptocócica. A resposta imune consiste em fazer que os linfócitos B produzam anticorpos contra aquela cápsula. Os anticorpos também neutralizam as toxinas que certas bactérias produzem.
Uma vez criados, aderem às cápsulas. A unidade bactéria-anticorpo recebe o nome de
complexo imune. O complexo imune adere a um receptor sobre um macrófago. Essa união permite que o macrófago absorva todo o complexo e que depois se digiram as bactérias ali mesmo. Os complexos imunes também activam a cascata do complemento. A união de produtos da cascata do complemento com o complexo imune faz com que se torne muito fácil aos macrófagos identificar os complexos imunes que deve ingerir.
Organismos extracelulares não capsulados
Algumas bactérias têm apenas uma parede celular; não têm cápsula e, como consequência, são consideradas não capsuladas. A
Escherichia coli, uma causa muito frequente de intoxicação alimentar e de infecções do tracto urinário, é um exemplo de bactéria não capsulada.
Quando as bactérias não capsuladas invadem o corpo, os macrófagos, as células NK, as citocinas e a cascata do complemento põem-se em acção.
Os macrófagos têm sensores que reconhecem as moléculas da superfície das bactérias não capsuladas. Quando as moléculas e os sensores se juntam, a bactéria é rodeada e absorvida pelo macrófago num processo denominado fagocitose. A fagocitose estimula o macrófago a libertar citocinas que atraem neutrófilos. Prontamente esses neutrófilos absorvem e matam muito mais bactérias. Algumas das citocinas libertadas pelos macrófagos activam células NK, que podem de imediato matar directamente algumas bactérias, ou então ajudar quer os neutrófilos, quer os macrófagos a matar de forma mais eficiente.
As bactérias não capsuladas também activam a cascata do complemento. O complemento ajuda a destruir as bactérias e liberta um produto que actua como sinal para atrair neutrófilos, que rapidamente destroem o resto das bactérias.
Organismos intracelulares
Alguns microrganismos, como as bactérias da tuberculose, sobrevivem melhor dentro de uma célula. Dado que estes organismos necessitam de entrar numa célula para viver, não dispõem de nenhuma defesa em particular quando são ingeridos. Uma vez absorvidos, estes organismos ficam sequestrados (encerrados) dentro da célula numa estrutura protectora chamada vesícula (ou vacúolo). As vesículas podem fundir-se com outras dentro do citoplasma, como as vesículas que reúnem e envolvem as moléculas do complexo major de histocompatibilidade da classe II.
À medida que essas vesículas se unem, o complexo major de histocompatibilidade recolhe alguns fragmentos das bactérias. Quando esse complexo é transplantado para a superfície celular, contém esses fragmentos estranhos. As moléculas do complexo major de histocompatibilidade são então reconhecidas pelos linfócitos T, que respondem ao fragmento do antigénio libertando citocinas. As citocinas activam macrófagos. Essa activação determina a produção de novos elementos químicos dentro da célula. Esses elementos químicos permitem finalmente que o macrófago mate os organismos que se encontram dentro da célula.
Algumas citocinas favorecem a produção de anticorpos. Os anticorpos participam activamente na defesa contra organismos localizados fora da célula; são, porém, ineficazes contra as infecções que se verificam dentro desta.
Os vírus são um exemplo de outro organismo que tem de entrar numa célula para poder sobreviver. Contudo, os vírus são processados não em vesículas, mas em estruturas especiais chamadas proteosomas. Os proteosomas partem o vírus em fragmentos que são transportados para outra estrutura, dentro da célula, chamada retículo endoplasmático (a fábrica celular onde são produzidas as proteínas). As moléculas do complexo major de histocompatibilidade da classe I também se reúnem dentro do retículo endoplasmático rugoso. Enquanto se verifica essa reunião, as moléculas recolhem fragmentos de vírus que levam consigo quando são lançadas para a superfície celular.
Certos linfócitos T reconhecem as moléculas da classe I, que agora contêm fragmentos de vírus, e ligam-se a elas. Quando a conexão se completa, um sinal enviado através da membrana celular desencadeia a activação de linfócitos T antigenoespecíficos, a maioria dos quais se convertem depois em células T
killer ou citotóxicas. Contudo, diferentemente das células NK
(natural killer), as células T citotóxicas só matam as células infectadas com o vírus em particular que estimulou a sua activação. Por exemplo, as células T citotóxicas ajudam a combater o vírus da gripe. A razão pela qual a maioria das pessoas necessita de 7 a 10 dias para recuperar da gripe deriva de ser esse o tempo que demora a gerar células T citotóxicas especialmente concebidas para combater o vírus que causa a referida doença.